Recebi notícias de 2008 há pouco, de lá onde ele já começou. Parece que este ano vai ser bem divertido e o número da aposta é uma dezena: 81.
lundi, décembre 31, 2007
Orelha de macaco
Já é sabido e bem comentado que os franceses consomem mais livros por mês do que nós brasileiros. A Gibert Joseph é uma livraria em rede que concentra boa parte do que se pode comprar em Paris no quesito papel. O fato é que toda vez que entrava lá com um título em mente, acabava sentindo um certo incômodo ao ver aquele mar de pocket books espalhados por mesas largas. É uma imensidão de livros pequenos com capas supercoloridas estampando fotos de pessoas e cachorros, traduções do espanhol, traduções do inglês, autores que surgiram há um ano, novidades da rentrée litteraire.
É engraçado, mas meu incômodo vinha da constatação que o mercado literário lá se apresenta ao consumidor um pouco como o mercado de filmes em DVD se apresenta no Brasil. Pessoas compram livros cujo destino é o consumo. Seguem, para isso, o desejo instigado por resenhas, entrevistas, orelhas de livros, indicações de amigos. Pagam relativamente pouco, levam produtos leves e pequenos e, chegando em casa, lêem.
Em algum canto do cérebro isso deve ter me parecido uma calúnia ao santificado todo-poderoso louvável hábito de leitura como ele me foi inculcado em terras brasileiras. Foram anos de anos de “leia mais, o que quer que seja, por favor leia mais e sinta-se um cidadão honorável abrindo um livro em praça pública, nunca comente o que leu, simplesmente diga que lê, que adora ler, que deixa de ver tevê pra ler” que, de alguma forma, tiveram efeito.
A ficha desse pensamento me caiu no mês passado quando, de volta a Porto Alegre, fui à belíssima livraria Cultura. O apelo foi forte, mas bem diferente das montanhas baratas da Gibert Joseph. Os atendentes simpáticos me ajudavam com um sorriso de almas gêmeas, a Cultura naquela arquitetura linda me dava vontade de passar de um setor a outro rodopiando a saia e os livros, eles me pareciam mais elegantes que as roupas nas vitrines do Bourbon Country.
O que eu vou dizer não é novo. Todo mundo sabe que pagar mais de 50 reais por uma edição bonita do Grande Sertão Veredas tem a ver com a estante. Mas ali, olhando os livros que faziam parte da minha lista ainda em aberto, vi como é gritante a diferença entre orelhas feitas por leitores e as feitas por críticos literários. Tentei levar algo da Hilda Hist mas, entre o primeiro livro da prosa pornográfica dela e o início do romance bifurcado – estou inventando os jargões porque não chego a lembrar deles -, não consegui escolher nenhum. Só porque amo o João Gilberto Noll, não recuei diante do “romance de deformação” em oposição ao Bildungsroman que vem a ser O Quieto Animal da Esquina.
Abri mais e mais livros, cada um com a capa mais linda e mais abstrata que o outro, sendo apresentados dentro do panorama literário brasileiro, em contraste ao novo romance velho, fazendo parte de uma trilogia intercalada, prometendo mudar tudo, nossa, que promessa. Nada, enfim, falava do que há pra ler depois da capa. Só o que eu via era que, se quisesse comentar algum deles, teria que rezar pra ser convidada a jantar na casa de algum professor da pós-graduação da UFRGS.
O comprador de livros da Cultura tem que ser, resumindo, um esnobe humilde. Tem que aceitar levar pra casa o que as sumidades indicam mas não explicam e balançar, o mais charmoso que conseguir, a sua sacola até o estacionamento.
É engraçado, mas meu incômodo vinha da constatação que o mercado literário lá se apresenta ao consumidor um pouco como o mercado de filmes em DVD se apresenta no Brasil. Pessoas compram livros cujo destino é o consumo. Seguem, para isso, o desejo instigado por resenhas, entrevistas, orelhas de livros, indicações de amigos. Pagam relativamente pouco, levam produtos leves e pequenos e, chegando em casa, lêem.
Em algum canto do cérebro isso deve ter me parecido uma calúnia ao santificado todo-poderoso louvável hábito de leitura como ele me foi inculcado em terras brasileiras. Foram anos de anos de “leia mais, o que quer que seja, por favor leia mais e sinta-se um cidadão honorável abrindo um livro em praça pública, nunca comente o que leu, simplesmente diga que lê, que adora ler, que deixa de ver tevê pra ler” que, de alguma forma, tiveram efeito.
A ficha desse pensamento me caiu no mês passado quando, de volta a Porto Alegre, fui à belíssima livraria Cultura. O apelo foi forte, mas bem diferente das montanhas baratas da Gibert Joseph. Os atendentes simpáticos me ajudavam com um sorriso de almas gêmeas, a Cultura naquela arquitetura linda me dava vontade de passar de um setor a outro rodopiando a saia e os livros, eles me pareciam mais elegantes que as roupas nas vitrines do Bourbon Country.
O que eu vou dizer não é novo. Todo mundo sabe que pagar mais de 50 reais por uma edição bonita do Grande Sertão Veredas tem a ver com a estante. Mas ali, olhando os livros que faziam parte da minha lista ainda em aberto, vi como é gritante a diferença entre orelhas feitas por leitores e as feitas por críticos literários. Tentei levar algo da Hilda Hist mas, entre o primeiro livro da prosa pornográfica dela e o início do romance bifurcado – estou inventando os jargões porque não chego a lembrar deles -, não consegui escolher nenhum. Só porque amo o João Gilberto Noll, não recuei diante do “romance de deformação” em oposição ao Bildungsroman que vem a ser O Quieto Animal da Esquina.
Abri mais e mais livros, cada um com a capa mais linda e mais abstrata que o outro, sendo apresentados dentro do panorama literário brasileiro, em contraste ao novo romance velho, fazendo parte de uma trilogia intercalada, prometendo mudar tudo, nossa, que promessa. Nada, enfim, falava do que há pra ler depois da capa. Só o que eu via era que, se quisesse comentar algum deles, teria que rezar pra ser convidada a jantar na casa de algum professor da pós-graduação da UFRGS.
O comprador de livros da Cultura tem que ser, resumindo, um esnobe humilde. Tem que aceitar levar pra casa o que as sumidades indicam mas não explicam e balançar, o mais charmoso que conseguir, a sua sacola até o estacionamento.
jeudi, décembre 27, 2007
Lixo
"O silêncio no local onde a menina era velada ontem traduzia a dor da família para a qual o Natal perdeu o sentido". Fim do texto.
É por isso, na minha opinião, que o Correio do Povo não deveria ter sido vendido pra Igreja Universal.
É por isso, na minha opinião, que o Correio do Povo não deveria ter sido vendido pra Igreja Universal.
mardi, décembre 18, 2007
Notícias do outro lado do charco, vistas de dentro
O Uruguai prendeu um dos seus ditadores ontem, o Gregorio "Goyo" Alvarez (1981-1985), junto a dois outros militares. Esta que segue é uma visão local.
Queridos todos: espero que se encuentren muy bien.
Tal vez haya llegado a POA la noticia de que el Goyo Alvarez está en cana, junto con los demás represores.
Ayer habíamos quedado de encontrarnos en casa con mis compañeras de trabajo y abrimos una botellita de champán para festejar por la justicia.
Pueden creeer que hace como 2 semanas venía caminando por Ricaldoni y me lo cruzo. Iba de lo más campante a tirar la basura a la volqueta. Nadie asediándolo, sin guardaespaldas, nadie haciéndole escrache...pero le llegó la hora, salió en la tv la foto de fichado de frente y perfil con el nº.
La radio que escuchamos en casa, pasó el procesamiento como si fuera un comunicado de las fuerzas armadas de esa época con la musiquita (se acuerdan ¿no? Anita y Lê prenguntenle a vuestros padres). Dieron incluso el alias "Goyo" y "Petiso".
La gente se juntó en la Plaza Libertad y cantaron murgas, cantantes populares, etc. En fin esto recién empieza.
El Frente votó en su congreso apoyar la juntada de firmas para derogar la ley de caducidad. Se va a llegar así que van a haber más procesamientos y todo bajo la égida de la justicia, no bajo tribunales militares.
El asunto fue que el bocón admitió verbalmente y firmó un documento en 1979 que él se hacía responsable por eventuales desbordes de su mando (los desbordes que pudieron probarse hasta ahora fueron 40 desaparecidos). Dijo que era mejor morir de espaldas y no de rodillas y que si lo mandaban en cana iba a decir la verdad, y hasta ahora que estuvo haciendo, diciendo mentiras?. Es insólito...
Besitos para todos,
Queridos todos: espero que se encuentren muy bien.
Tal vez haya llegado a POA la noticia de que el Goyo Alvarez está en cana, junto con los demás represores.
Ayer habíamos quedado de encontrarnos en casa con mis compañeras de trabajo y abrimos una botellita de champán para festejar por la justicia.
Pueden creeer que hace como 2 semanas venía caminando por Ricaldoni y me lo cruzo. Iba de lo más campante a tirar la basura a la volqueta. Nadie asediándolo, sin guardaespaldas, nadie haciéndole escrache...pero le llegó la hora, salió en la tv la foto de fichado de frente y perfil con el nº.
La radio que escuchamos en casa, pasó el procesamiento como si fuera un comunicado de las fuerzas armadas de esa época con la musiquita (se acuerdan ¿no? Anita y Lê prenguntenle a vuestros padres). Dieron incluso el alias "Goyo" y "Petiso".
La gente se juntó en la Plaza Libertad y cantaron murgas, cantantes populares, etc. En fin esto recién empieza.
El Frente votó en su congreso apoyar la juntada de firmas para derogar la ley de caducidad. Se va a llegar así que van a haber más procesamientos y todo bajo la égida de la justicia, no bajo tribunales militares.
El asunto fue que el bocón admitió verbalmente y firmó un documento en 1979 que él se hacía responsable por eventuales desbordes de su mando (los desbordes que pudieron probarse hasta ahora fueron 40 desaparecidos). Dijo que era mejor morir de espaldas y no de rodillas y que si lo mandaban en cana iba a decir la verdad, y hasta ahora que estuvo haciendo, diciendo mentiras?. Es insólito...
Besitos para todos,
Non de dieu!
mercredi, décembre 05, 2007
Pensando em Dionisio
Ele ficou sabendo hoje que vai ter um irmão. Ele precisava dormir; antes das 21h, de preferência. Mas ele ainda morava longe dos salários-hora e tempos de metrô. Eu o apertei do mesmo jeito que apertei um corpo crescido no fim de semana, em volta da barriga, mas mesmo assim ele não dormiu.
Aqueles olhos vidrados no teto, com um suspiro de tempo em tempo para provar que tentava exorcizar a insônia, me deixavam com um ar ridículo. Eu estava fazendo a conta de quanto os pais teriam que me pagar a mais pelo atraso fisiológico e pensando na sola do meu pé quando eu ganhasse o caminho de casa com o sapato mal escolhido desta manhã.
Ele estava chupando cada vez mais forte a chupeta e quase arrancando uma mecha dos meus cabelos. Ele estava pensando naquilo. Como um divorciado de 40 anos. Uma mãe que acaba de perder o namorado para a filha. Ou uma criança de três anos que descobre que vai ser irmão. Ele fechava, mas os olhos não eram tão ingênuos. Um dia, uma noite, uma hora, uma véspera de trabalho. Só ele tinha a real dimensão da vida naquele momento mas o meu trabalho era inculcar um calendário por cima da sua lucidez.
Aqueles olhos vidrados no teto, com um suspiro de tempo em tempo para provar que tentava exorcizar a insônia, me deixavam com um ar ridículo. Eu estava fazendo a conta de quanto os pais teriam que me pagar a mais pelo atraso fisiológico e pensando na sola do meu pé quando eu ganhasse o caminho de casa com o sapato mal escolhido desta manhã.
Ele estava chupando cada vez mais forte a chupeta e quase arrancando uma mecha dos meus cabelos. Ele estava pensando naquilo. Como um divorciado de 40 anos. Uma mãe que acaba de perder o namorado para a filha. Ou uma criança de três anos que descobre que vai ser irmão. Ele fechava, mas os olhos não eram tão ingênuos. Um dia, uma noite, uma hora, uma véspera de trabalho. Só ele tinha a real dimensão da vida naquele momento mas o meu trabalho era inculcar um calendário por cima da sua lucidez.
vendredi, août 31, 2007
Lord's gonna get us back
Não se pode esperar nada mais autêntico de um caipira do que ofuscamento frente as luzes da cidade. Nessa mais nova prova de pureza, os Kings of Leon subiram no palco do Rock en Seine ainda mais urban wear do que no show do dia 26 junho, no Bataclan. Cabelo curto e cara (quase) limpa, Caleb Followill não tem mais nada a ver com aquele filho de pastor evangélico que começou uma banda com os irmãos e foi assaltado pela fama repentina. Nem uma sombra daquele bigode chicano. Só Nathan, o baterista, conserva as madeixas compridas. Perdeu, no entanto, toda a ingenuidade e toma Heineken de canudinho entre uma martelada e outra.
Dos outros dois, menos se pode pedir. Mais novos e menos carismáticos, são quase uns italianos de tão engomados. Ainda em pós-puberdade, usam uns dois números a menos de calça – slim pants, claro. O clã KOL acumulou tanto mel nesses últimos quatro anos de pura vida de rock que até o hold quando sobe no palco é alvo de gritos femininos. Vale dizer que ele não destoa do fenótipo Followill, sendo provavelmente mais um primo.
Essa decepção estética é, claro, só um detalhe que quase ajuda a gostar mais da banda, pela sua trajetória sincera. O básico, o motivo de encabeçarem a minha lista há algum tempo, é que eles são muito bons. Caleb continua cantando rasgado e uivando histórias de meninas fáceis demais e noites que terminam de manhã. Estava rouco no domingo 26, o do Rock en Seine, e pediu desculpas. Charme.
Sim, eles ficaram mais sombrios e deram uma guinada eletrônica no último disco. Há músicas mais lentas e uma pitada de letras “estou ficando velho”. Que banda de rock não o faz? O negócio é que, incapazes de se desfazerem do country e do folk que os formou, estão longe de fazer melodias moles.
Assistir a um show do KOL é parte essencial da existência deles no mundo. Primeiro porque o que se ouve nos discos é o que eles tocam – e não mixagens e pós-produção –, e isso deixa a experiência ao vivo muito forte. Segundo porque, filhos da época que são, os Followill existem para nos fazer pular e acompanhar cada acorde e franzida de nariz de perto.
Vida longa aos Followill, que ainda vão receber muita adolescente contente em camarim, maltratar jovens esposas e criar mais caldo pra sofrimento acompanhado de bateria.
lundi, août 20, 2007
Menina a caminho (ou A hipótese de se envelhecer em números)
Cada vez que um pote de iogurte termina eu penso se escolhi a profissão certa. Se escolhi a vida certa. Eu tenho 23 anos e moro num país estrangeiro. Mas cheguei com malas minhas, sem pisar em terra virgem nem temer pelo futuro, porque eu simplesmente cheguei nesse meu estado de vida, que eu pretendo narrar aqui, que é mole como um cetim, que não mexe montanhas mesmo que mude uma vida inteira, que é invariavelmente leve.
De onde eu venho não há histórias cicatrizadas, mortos que eu tenha matado. E todas as pessoas que me formam pensam que eu deveria estar aqui, o que me traz a esta situação onde não há como fingir que o me ocorre é trágico, apesar de ser o que de mais grave me ocorre.
Eu não me mexo muito rapidamente, e quando o faço não é senão por deliberada proposta. Não há em mim, como os filmes mostram existir em outras pessoas, um tempo e uma urgência ligados à ação, chegada mesmo quando não é chamada, criando rotinas invisíveis e ciclos que aparecem depois de anos, em uma mesa onde se toma um chá com velhos conhecidos.
A vida a mim custa ser vivida, e não é porque ela me entristeça.
Ela apenas me custa.
Preciso muito das pessoas para me guiar nas quantidades de sono e desespero que são usuais no meu entorno. Eu procuro sempre, com isso, não destoar. Na maioria das vezes, consigo, apesar de ter de continuar me procurando em outros lugares, já que vivo uma vida de imitação.
Desde que cheguei neste país estrangeiro, estou esperando que a vida comece a sua marcha íngrime, porque eu ainda não me desfiz de crer que exista uma marcha. Eu, até agora, só conheci planos e começos. Nutro uma sincera curiosidade por meios e finais.
mercredi, août 15, 2007
lundi, août 13, 2007
Filha, seja exótica de trás pra frente, sempre
Começa assim. Um dia numa festa, não tantos meses depois da minha chegada, me perguntaram, não tão ineditamente, o que eu estava fazendo aqui. Não no sentido literal da pergunta, mas num esboço de elogio ao exótico país que eu tinha, assim inexplicavelmente, largado. Mais sagaz do que fiquei com outros meses de experiência, respondi: “Contraste, peut-être”.
A minha companhia achou a resposta brilhante – a saber não por uma reação, mas pelo tardio e específico comentário, ao qual não tive nada a responder. Ela riu, a moça que tinha feito a pergunta, e riram os outros cinco que estavam neste domínio sonoro e não no seguinte. E eu ganhei tempo para entornar mais um pouco do meu copo de champanhe, o que se pode fazer com elegância quando se é uma menina e se sabe olhar enviesado em simultâneo.
No dia seguinte ela ia para São Paulo, a menina que tinha feito a pergunta (j’adoooore, uuhh. Uhúu!). Não é a mulher exatamente que fica ridícula ao se empolgar, mas a assimetria com que duas pessoas se projetam a um lugar fisicamente comum que cria a sensação de que uma entre ambas está deslocada.
Mas concordei. Gosto muito de São Paulo, falei. Mesmo que não, não costume sair da minha cidade para encontrar lá a chama da vida e a felicidade do acaso interpessoal. Não falei. Seguiu-se a festa. Como a maioria dos convivas não detinha, como eu, a insígnia de pertencer a um lugar tão longínquo quanto atraente, as conversas flutuavam em torno de allers-retours recentes. Ela morava em Berlim, a pessoa mais interessante da festa. Mas não era de lá, evidentemente. Era daqui. Vivia de cinema, com os seus cabelos totalmente descoloridos, e estava contente com o último trabalho. Foi a única pessoa que lamentei nunca mais ver, quando no dia seguinte decidi que champanhes atrás de digicodes não valiam uma péssima foda.
Era a cama da dona da casa onde estávamos – sentados e travestidos. Da pilha de livros de bolso encostada na parede saíram alguns diálogos básicos. Eram clássicos filosóficos, pois a dona era doutoranda em filosofia, mesmo que maquilada. Eram a massa, essas trocas de frase, mesmo que a massa se vista de polêmica. O correspondente a preços de carro e histórias de chefe. O teste-testando para ver se falávamos a mesma língua. Mas o mais interessante, sempre, eram as histórias da descolorida. Mesmo que ela explicasse nada além do que a incompletude pré-maternidade ou a beleza de se estar em Paris há poucos dias depois de uma longa ausência. Eu havia chegado à minha São Paulo e estava adorando a fumaça.
(segue)
A minha companhia achou a resposta brilhante – a saber não por uma reação, mas pelo tardio e específico comentário, ao qual não tive nada a responder. Ela riu, a moça que tinha feito a pergunta, e riram os outros cinco que estavam neste domínio sonoro e não no seguinte. E eu ganhei tempo para entornar mais um pouco do meu copo de champanhe, o que se pode fazer com elegância quando se é uma menina e se sabe olhar enviesado em simultâneo.
No dia seguinte ela ia para São Paulo, a menina que tinha feito a pergunta (j’adoooore, uuhh. Uhúu!). Não é a mulher exatamente que fica ridícula ao se empolgar, mas a assimetria com que duas pessoas se projetam a um lugar fisicamente comum que cria a sensação de que uma entre ambas está deslocada.
Mas concordei. Gosto muito de São Paulo, falei. Mesmo que não, não costume sair da minha cidade para encontrar lá a chama da vida e a felicidade do acaso interpessoal. Não falei. Seguiu-se a festa. Como a maioria dos convivas não detinha, como eu, a insígnia de pertencer a um lugar tão longínquo quanto atraente, as conversas flutuavam em torno de allers-retours recentes. Ela morava em Berlim, a pessoa mais interessante da festa. Mas não era de lá, evidentemente. Era daqui. Vivia de cinema, com os seus cabelos totalmente descoloridos, e estava contente com o último trabalho. Foi a única pessoa que lamentei nunca mais ver, quando no dia seguinte decidi que champanhes atrás de digicodes não valiam uma péssima foda.
Era a cama da dona da casa onde estávamos – sentados e travestidos. Da pilha de livros de bolso encostada na parede saíram alguns diálogos básicos. Eram clássicos filosóficos, pois a dona era doutoranda em filosofia, mesmo que maquilada. Eram a massa, essas trocas de frase, mesmo que a massa se vista de polêmica. O correspondente a preços de carro e histórias de chefe. O teste-testando para ver se falávamos a mesma língua. Mas o mais interessante, sempre, eram as histórias da descolorida. Mesmo que ela explicasse nada além do que a incompletude pré-maternidade ou a beleza de se estar em Paris há poucos dias depois de uma longa ausência. Eu havia chegado à minha São Paulo e estava adorando a fumaça.
(segue)
jeudi, juillet 12, 2007
Ça s'appelle "punheta"
Não são as novas diretrizes sarkosianas as coisas mais divertidas de ver na política imigratória francesa. São as artimanhas que escapam da política no sentido legislador; os detalhes espalhados que se harmonizam num mesmo sentido, fazendo uma força ampla, nos empurrando pra usar palavras abertas, como sistema e cultura.
Pois bem. Lettre de motivation. Carta de motivação. Inventada de francês para francês, ela valida, no momento da busca de emprego, as 6 mil horas de aulas de redação que os nativos tiveram ao longo da jornada escolar.
Não serve para nada, se não para cumprir uma formalidade e – mais importante que isso – avaliar a lealdade e a adaptação do candidato ao cumprimento de formalidades. A grande sacada em relação aos estrangeiros é que ela mata o sujeito pela preguiça. Vindos de outros países, cada um já traz consigo uma lista de desvios de mérito com as quais aprendeu a lidar (no nosso caso, indicação, puxa-saquismo, cantada hierárquica, filhismo, etc), que já é inchada o suficiente. Com isso, quem tem vontade de aprender a escrever uma carta que ninguém vai ler, mas só bater os olhos pra ver se o numero de parágrafos confere e as expressões iniciais e finais estão adequadas?
Cada qual com os seus “c’est comme ça”. É tão mais fácil optar pelas outras alternativas: casar com francês (o que exige esforço mas, uma vez conseguido, ninguém pode desmerecer o feito), se contentar com subemprego (o que tem um limite) ou voltar pra terrinha. Very clever.
Pois bem. Lettre de motivation. Carta de motivação. Inventada de francês para francês, ela valida, no momento da busca de emprego, as 6 mil horas de aulas de redação que os nativos tiveram ao longo da jornada escolar.
Não serve para nada, se não para cumprir uma formalidade e – mais importante que isso – avaliar a lealdade e a adaptação do candidato ao cumprimento de formalidades. A grande sacada em relação aos estrangeiros é que ela mata o sujeito pela preguiça. Vindos de outros países, cada um já traz consigo uma lista de desvios de mérito com as quais aprendeu a lidar (no nosso caso, indicação, puxa-saquismo, cantada hierárquica, filhismo, etc), que já é inchada o suficiente. Com isso, quem tem vontade de aprender a escrever uma carta que ninguém vai ler, mas só bater os olhos pra ver se o numero de parágrafos confere e as expressões iniciais e finais estão adequadas?
Cada qual com os seus “c’est comme ça”. É tão mais fácil optar pelas outras alternativas: casar com francês (o que exige esforço mas, uma vez conseguido, ninguém pode desmerecer o feito), se contentar com subemprego (o que tem um limite) ou voltar pra terrinha. Very clever.
samedi, mai 26, 2007
mercredi, mai 23, 2007
dimanche, mai 20, 2007
___________16.maio.2007
Minha tia Sara morreu. Da última vez em que a vi, só fiz suposições. Cheguei a supor que a nossa visita a incomodava. Que ela se sentiria mais cômoda em companhia da senhora encarregada de cuidar dela. Eu quis muito passar a mão no rosto dela quando soube, hoje de manhã, que ela dormira sem acordar.
Uma morte tão calminha. Meu pai disse “não sofrida”, no email em que me enviou. Eu aqui perdida pelo fuso horário me perguntei se era uma sesta ou o sono da noite. E me lembrei do quão sofrida foi a morte da mãe do meu pai.
Sem que isso a reduza a um afeto secundário, Tia Sara é parte de um binômio. A outra parte é Vó Célia, morta há 13 anos. Separadas por mais de dez anos dentro de uma escala de quinze filhos, elas poderiam ter sido apenas um par de irmãs. Duas viúvas, mães de dois filhos únicos. Vó Célia era mais orgulhosa, mas era Tia Sara quem ganhara a pior nora. Um equilíbrio randômico.
O grande truque desta notícia é ter me feito pensar em constância, ao invés de liberdade. A morte dela, que é também o fim do binômio, não me ensinou a fazer o que eu bem entender a partir deste instante, por que a vida é curta (a vida é longa, os motivos são outros).
Existia uma coisa na Tia Sara que a fez dizer um piada no meio daquela confusão de rostos. Ela estava tão perdida, e perdidos nós também, sem saber se a frase ia terminar ou se ela queria mudar de posição. E, mesmo assim, ela fez, quando conseguiu se expressar, uma tirada cômica. E todos nós pescamos aquele fio jogado do fundo da névoa dela, e respiramos, para além do nosso alívio, pra dizer sem dizer “nós te reconhecemos”.
Com mais de dez anos de diferença (os que separam as mortes, não os nascimentos), minha vó jogava um fio parecido, do meio da dor intransigente. E quando ela retrucava um médico descuidado e era firme mesmo tremendo, nós a reconhecíamos, até o último dia, em que eu fui embora do hospital e ela também.
Elas tinham rostos muito diferentes, mas mãos idênticas. E jogavam baralho durante um verão inteiro em Garopaba. E gostavam de comer churrasco de ovelha, e escreviam cartas uma pra outra em letras corridas e bonitas. E faziam tantas outras coisas pontuais, momentâneas, que no entanto ecoam na minha cabeça me obrigando a empregar o imperfeito.
Eu gostaria de encostar na mão dela. Principalmente porque os dedos tinham a geminha marcada, como se tivessem ficado presos por um prendedor de roupa. E eram quentinhos, sempre quentinhos. Ela estava à beira de perder a constância. E perdeu.
Uma morte tão calminha. Meu pai disse “não sofrida”, no email em que me enviou. Eu aqui perdida pelo fuso horário me perguntei se era uma sesta ou o sono da noite. E me lembrei do quão sofrida foi a morte da mãe do meu pai.
Sem que isso a reduza a um afeto secundário, Tia Sara é parte de um binômio. A outra parte é Vó Célia, morta há 13 anos. Separadas por mais de dez anos dentro de uma escala de quinze filhos, elas poderiam ter sido apenas um par de irmãs. Duas viúvas, mães de dois filhos únicos. Vó Célia era mais orgulhosa, mas era Tia Sara quem ganhara a pior nora. Um equilíbrio randômico.
O grande truque desta notícia é ter me feito pensar em constância, ao invés de liberdade. A morte dela, que é também o fim do binômio, não me ensinou a fazer o que eu bem entender a partir deste instante, por que a vida é curta (a vida é longa, os motivos são outros).
Existia uma coisa na Tia Sara que a fez dizer um piada no meio daquela confusão de rostos. Ela estava tão perdida, e perdidos nós também, sem saber se a frase ia terminar ou se ela queria mudar de posição. E, mesmo assim, ela fez, quando conseguiu se expressar, uma tirada cômica. E todos nós pescamos aquele fio jogado do fundo da névoa dela, e respiramos, para além do nosso alívio, pra dizer sem dizer “nós te reconhecemos”.
Com mais de dez anos de diferença (os que separam as mortes, não os nascimentos), minha vó jogava um fio parecido, do meio da dor intransigente. E quando ela retrucava um médico descuidado e era firme mesmo tremendo, nós a reconhecíamos, até o último dia, em que eu fui embora do hospital e ela também.
Elas tinham rostos muito diferentes, mas mãos idênticas. E jogavam baralho durante um verão inteiro em Garopaba. E gostavam de comer churrasco de ovelha, e escreviam cartas uma pra outra em letras corridas e bonitas. E faziam tantas outras coisas pontuais, momentâneas, que no entanto ecoam na minha cabeça me obrigando a empregar o imperfeito.
Eu gostaria de encostar na mão dela. Principalmente porque os dedos tinham a geminha marcada, como se tivessem ficado presos por um prendedor de roupa. E eram quentinhos, sempre quentinhos. Ela estava à beira de perder a constância. E perdeu.
vendredi, mai 11, 2007
No need for tatoos
Tenho lido sobre o Brasil. Livros que já tinha começado antes, sem muito equilíbrio neuronal para com eles lidar. Tenho encontrado idéias ótimas, mesmo que “encontrar” seja um pouco deslocado pra citar obras de base lidas à meia idade.
Um exemplo de idéia surpreendente, da qual apresento aqui apenas a ilustração, é a importância da sífilis - na época da colônia - na formação do brasileiro:
“O filho do senhor de engenho se contaminava, quase brincando, com as negras e mulatas, ao perder precocemente sua virgindade, aos 12 ou 13 anos. Pois, a essa idade, ele já era um homem. Era ridicularizado se ainda não tivesse conhecido as mulheres; ironizado se não carregasse no corpo traços da sífilis. Martius [viajante do início do séc. 19] nota que o brasileiro porta com ostentação as cicatrizes da sífilis como se fossem cicatrizes de guerra”.
Um exemplo de idéia surpreendente, da qual apresento aqui apenas a ilustração, é a importância da sífilis - na época da colônia - na formação do brasileiro:
“O filho do senhor de engenho se contaminava, quase brincando, com as negras e mulatas, ao perder precocemente sua virgindade, aos 12 ou 13 anos. Pois, a essa idade, ele já era um homem. Era ridicularizado se ainda não tivesse conhecido as mulheres; ironizado se não carregasse no corpo traços da sífilis. Martius [viajante do início do séc. 19] nota que o brasileiro porta com ostentação as cicatrizes da sífilis como se fossem cicatrizes de guerra”.
lundi, avril 30, 2007
vendredi, avril 27, 2007
Brega é muito bonito
Contente com a Internet por disponibilizar Tudo o que eu tenho e Blá blá blá, pra clicar quantas vezes quiser.
dimanche, avril 22, 2007
(Eu não estou ecoando aquele e-mail, não é sobre isso)
Sempre parei pra pensar em exposição; e o degradê de seus contrários: discrição, proteção, respeito, cumplicidade, segredo.
(Eu não estou ecoando aquele e-mail, não é sobre isso). É sobre viver, por um momento, sem a exposição que nos devolve o conforto.
Sem crachá, sem total compreensão, sem “olha o que eu fiz, não é bonito?”, sem um perfil auto-explicativo – quando eu falo isso, pode parecer que acabei de listar o cúmulo do egocentrismo, da pequenice, mas essas coisas são tão normais, positivas, e eu não estou com paciência hoje pra cuspir em cima do que nos constrói enquanto geração.
Só estou parando pra pensar em outra coisa, por um momento.
Como o espaço morto entre o fracasso e a boa desculpa, que nos coloca em uma situação interessante de exposição.
A última vez em que escrevi foi sobre o Derrida, e acho que estou ainda com algumas frases dele na cabeça. Sobre não dizer. Não colocar o final de tudo na linha da expressão.
Passei os últimos tempos entendendo formas peculiares de existência, aceitando que a forma é o todo e o dito é o feito, mas hoje estou tirando férias (aprendi, lição feita), pra lembrar do jogo de fechar a boca, dobrar os lábios pra dentro e esconder meio rosto com as mãos – e ainda assim achar que existe algo!
Todas as Letícias perdidas nos olhares dos outros, hoje eu acho que elas existem além desta. Hoje eu vou dormir sem fazer a ronda pra ver se todas elas estão com as sobrancelhas feitas. Não é só por cansaço que as deixo desprotegidas da feiúra.
É por causa desse jogo momentâneo de ver como se é sendo si, estando inexposta (medíocre, caso a metáfora da feiúra não tenha surtido efeito) em cada ponto da vida onde repousa uma instituição.
Antes de cair num discurso de tesouro escondido, esclareço que cada olhar amigo é pra mim uma instituição, pois lá eu me legitimo.
E que “sou inútil mas sou feliz” é também uma instituição (metida a vanguardista, mas é).
E se desde a primeira frase isto não se afasta de uma verborragia pouco clara, eu acho que concordo.
Mais: se todas as pausas pra explicações não fizeram mais do que estragar o ritmo do texto, eu assino embaixo.
Someone’s playing hard to get around here. We should spank her.
(Eu não estou ecoando aquele e-mail, não é sobre isso). É sobre viver, por um momento, sem a exposição que nos devolve o conforto.
Sem crachá, sem total compreensão, sem “olha o que eu fiz, não é bonito?”, sem um perfil auto-explicativo – quando eu falo isso, pode parecer que acabei de listar o cúmulo do egocentrismo, da pequenice, mas essas coisas são tão normais, positivas, e eu não estou com paciência hoje pra cuspir em cima do que nos constrói enquanto geração.
Só estou parando pra pensar em outra coisa, por um momento.
Como o espaço morto entre o fracasso e a boa desculpa, que nos coloca em uma situação interessante de exposição.
A última vez em que escrevi foi sobre o Derrida, e acho que estou ainda com algumas frases dele na cabeça. Sobre não dizer. Não colocar o final de tudo na linha da expressão.
Passei os últimos tempos entendendo formas peculiares de existência, aceitando que a forma é o todo e o dito é o feito, mas hoje estou tirando férias (aprendi, lição feita), pra lembrar do jogo de fechar a boca, dobrar os lábios pra dentro e esconder meio rosto com as mãos – e ainda assim achar que existe algo!
Todas as Letícias perdidas nos olhares dos outros, hoje eu acho que elas existem além desta. Hoje eu vou dormir sem fazer a ronda pra ver se todas elas estão com as sobrancelhas feitas. Não é só por cansaço que as deixo desprotegidas da feiúra.
É por causa desse jogo momentâneo de ver como se é sendo si, estando inexposta (medíocre, caso a metáfora da feiúra não tenha surtido efeito) em cada ponto da vida onde repousa uma instituição.
Antes de cair num discurso de tesouro escondido, esclareço que cada olhar amigo é pra mim uma instituição, pois lá eu me legitimo.
E que “sou inútil mas sou feliz” é também uma instituição (metida a vanguardista, mas é).
E se desde a primeira frase isto não se afasta de uma verborragia pouco clara, eu acho que concordo.
Mais: se todas as pausas pra explicações não fizeram mais do que estragar o ritmo do texto, eu assino embaixo.
Someone’s playing hard to get around here. We should spank her.
mercredi, avril 18, 2007
Lendo o filme
Numa parte do filme Derrida (Kirby Dick, Amy Ziering Kofman, 2003), ele está sentado num estúdio de TV, nos EUA, e a jornalista começa a entrevista pedindo um comentário sobre Seinfield. Quando ele aperta os olhinhos pra mostrar que nunca ouviu falar disso, ela insinua que, com muita paródia, ao igualar dilemas sobre armários e fé em Deus, o seriado teria algo a ver com a teoria da desconstrução.
– Se você está me pedindo uma dica para as pessoas que assistem sitcoms, eu diria “façam seus deveres de casa, leiam os livros”. Aí falaremos de desconstrução.
Esse é o ponto mais besta do filme, o mais óbvio exemplo da complexa tarefa de falar – discursar – e ser apreendido pelo outro. O clichê americano serve, comme toujours, de maneira didática.
Esse é o ponto mais besta do filme, o mais óbvio exemplo da complexa tarefa de falar – discursar – e ser apreendido pelo outro. O clichê americano serve, comme toujours, de maneira didática.
Enquanto isso, ele segue Derrida frente às outras perguntas do filme, frente aos diretores, frente a um projeto de documentário que ele aceitou e do qual não se arrepende. “Não posso responder a isso em frente a uma câmera”, “Eu não sou realmente assim. Para começar, se fico em casa, não me visto como agora, fico com o meu pijama”. “O que você vai fazer com tudo isso? Fazem 5 anos que estou falando. O que você vai guardar? A sua autobiografia”.
Nenhum desses questionamentos invalida o filme, mas serve para mostrar o seu sujeito. Judeu argelino formado na França, figura da filosofia pós-estruturalista, Jacques se considerava um sobrevivente da geração de 60 (Althusser, Bourdieu, Foucault, Deleuze e Lacan morreram bem antes que ele, que faleceu em 2004).
Viajante do mundo dos textos, sempre se propôs a tecer textos dentro de outros, mostrar discursos dissimulados, destituir e restituir sentido. A briga dele (diálogo sem concessão é mais polido) era com a metafísica ocidental e os seus “conceitos fundamentais”.
Mesmo no centro do pensamento pós-moderno, Derrida não aparece como um iconoclasta, um niilista. Ele não acha que tudo é espetáculo, não esqueceu completamente da política e não concorda com qualquer interpretação que possa ser feita sobre sua fala.
Diz que gostaria de saber sobre a vida sexual de Heidegger, mas avisa que não responde sobre a sua. Não conta mais do que datas sobre a sua história com Marguerite Derrida (esposa), mas diz que já falou bastante sobre si mesmo em textos, mesmo que não explicitamente. “Cada um dissimula de um jeito, diz. Mas o meu é diferente”.
dimanche, avril 15, 2007
Out: auto-controle
Eu entendo – faz um momento que entendo – cada vez mais os bêbados, os obcecados. São tão bonitas as pequenas coisas a que recorremos, só porque elas são próximas, pequenas e eficazes. Elas podem não ser as melhores escolhas, mas o caminho repetido até elas é muito forte, porque curto.
lundi, mars 12, 2007
encomenda esquecida
"Je peux très bien vivre sans avoir un landau à pousser".
Muito contente com as minhas amigas reais, sempre tive, à côté, uma lista de amigas imaginárias, pontenciais, mulheres que eu gostaria muito de conhecer e ter na minha volta. Uma cabeleireira que precisasse de uma cobaia, por exemplo. Uma escritora. Eu gostaria de ser amiga da Virginia Woolf, apesar da depressão. Uma aeromoça - já tentei transformar uma amiga real em aeromoça, mas acho que ela está mas feliz agora, pagando suas passagens. E sempre quis ter uma amiga que desgostasse de bebês. Que tivesse uma certa repulsa.
Encontrei ela neste fim de semana, no meio do café que a gente tomava na calçada, no meio de todas as outras coisas que me agradam nessa pessoa. Foi mais simpático que encontrar 100 euros na rua. Mais simpático, aliás, do que encontrar minha amiga fictícia milionária.
dimanche, mars 04, 2007
Meta-ensino, uma prática francesa
Não é a primeira vez que me acontece. Eu sento numa aula. No caso, uma aula proferida pela vice-presidente da associação de sociólogos de língua francesa, detalhe que eu não sabia no momento da inscrição, evidentemente. Eu sento e começo a escutar aquela aula bem estruturada, com os tópicos perfeitamente entrelaçados uns nos outros.
A fala decorre, citando todo tipo de gente que já escreveu sobre a vírgula em questão. A dona da fala faz uma pausa a cada citação, pergunta na sala quem já leu este autor, esta obra, se espanta com a ausência de mãos levantadas. Prossegue um pouco contrariada mas também um pouco confiante, porque, ela, ao menos, já leu toda essa gente e ela, ao menos, é a que está no banco do professor e ela, ao menos, pode tentar, ao longo do semestre, nos tirar do limbo ignorante em que nos encontramos com as suas 20 ou 25 indicações de obras básicas por aula.
Eu sigo sentada e me apavoro. E me afundo na tendinite anotando todo e qualquer suspiro - por precaução -, para decidir depois quais serão as obras básicas que enternecerão meus olhos. É frustrante, mas, mesmo depois de um ano, eu ainda erro a ortografia dos nomes que escuto, o que me garante embaraços tênues em frente ao buscador da biblioteca - fato que a tecnologia me permite esconder dos outros.
Então, já não mais sentada, eu pesco tudo o que, dentro das minhas capacidades, considero útil para a tal viagem além limbo. Começo a jornada e, como é praxe, não a termino antes da próxima aula. Frustrada mas confiante no entendimento do que vi até então, sento no mesmo lugar, com o desafio de acompanhar outra fala e preencher as lacunas da minha leitura a partir da minha astúcia e percepção - frenesi bastante útil para turbinar o café recém tomado.
Eis que, sentada no mesmo lugar onde massacrou nossa formação prévia ao seu encontro, a professora faz uma medíocre explicação dos seus horários corridos, retoma a folha que usou na aula passada e apresenta, mais uma vez, o plano do seminário, repetindo tudo o que disse até então. Bravo!
A fala decorre, citando todo tipo de gente que já escreveu sobre a vírgula em questão. A dona da fala faz uma pausa a cada citação, pergunta na sala quem já leu este autor, esta obra, se espanta com a ausência de mãos levantadas. Prossegue um pouco contrariada mas também um pouco confiante, porque, ela, ao menos, já leu toda essa gente e ela, ao menos, é a que está no banco do professor e ela, ao menos, pode tentar, ao longo do semestre, nos tirar do limbo ignorante em que nos encontramos com as suas 20 ou 25 indicações de obras básicas por aula.
Eu sigo sentada e me apavoro. E me afundo na tendinite anotando todo e qualquer suspiro - por precaução -, para decidir depois quais serão as obras básicas que enternecerão meus olhos. É frustrante, mas, mesmo depois de um ano, eu ainda erro a ortografia dos nomes que escuto, o que me garante embaraços tênues em frente ao buscador da biblioteca - fato que a tecnologia me permite esconder dos outros.
Então, já não mais sentada, eu pesco tudo o que, dentro das minhas capacidades, considero útil para a tal viagem além limbo. Começo a jornada e, como é praxe, não a termino antes da próxima aula. Frustrada mas confiante no entendimento do que vi até então, sento no mesmo lugar, com o desafio de acompanhar outra fala e preencher as lacunas da minha leitura a partir da minha astúcia e percepção - frenesi bastante útil para turbinar o café recém tomado.
Eis que, sentada no mesmo lugar onde massacrou nossa formação prévia ao seu encontro, a professora faz uma medíocre explicação dos seus horários corridos, retoma a folha que usou na aula passada e apresenta, mais uma vez, o plano do seminário, repetindo tudo o que disse até então. Bravo!
jeudi, février 01, 2007
Aqui não tá tão frio
A grande conseqüência de ter me mudado pra fora da minha cidade e ter flertado com outras é acabar gostando de todas. Depois da nada breve temporada de três meses em Porto Alegre, começo o meu segundo ano francês com um deslocamento que não me faz querer fugir pra lugar nenhum mais, mas, ao contrário, querer ficar onde eu escolhi não estar.
Excesso de possibilidades à parte, o meu contato com a terrinha foi escasso neste primeiro dia, em que eu chutei o fuso horário e dormi até tarde. Notas de uma chegada:
Bonjour, bonjour, merci, merci. Exageros de politèsse voltam a valer.
Livros para crianças. Segundo os livros dos “porquê” e dos “como”, as crianças daqui costumam se perguntar coisas do tipo “Alguém pode roubar a minha alma enquanto eu durmo?”, “Por que os pais sempre terminam sabendo que mentimos?”, “Por que dizemos que um morto vai pro céu se, na verdade, o enterramos?”.
Queijos. Madam, Chèvre, Cammembert, Nature à tartiner e D’ambert na cestinha do super. Tudo a preço de pobre.
Sol, ou falta de. O último sol que vi foi antes de o avião cortar a nuvem pra aterrissar em Paris. Não parece que vai aparecer nesta camada da atmosfera tão cedo.
Política. Os professores não estão gostando da Ségollene Royal.
Grunhidos. “Eh beh, voilà!”, “Ah, bon, bof. », « Ah bah, oui...” voltam a valer também.
Peer to peer. Baixei quatro discos hoje, entre eles a indicada Madeleine Peyroux, bonitinha. Com a velocidade, veio o primeiro medo de ser presa. Eles começaram a fazer isso, aqui.
Notícias (do umbigo). Decidindo que só dar notícias é argumento suficiente para utilizar um pedaço da web, disponibilizo vídeos e fotos nestes endereços.
http://www.youtube.com/profile?user=Leg0p0
http://www.flickr.com/photos/leg8p8/
jeudi, janvier 11, 2007
Monas do mundo, comuniquem-se!
Aeroportos. Ah, esses lugares míticos. O de Congonhas – na verdade, só a parte das conexões internas - me proporcionou ótimos minutos usando a mesa de um café de 3 reais que eu não comprei. Ia até o quiosque dos livros, lia umas frases rindo sozinha e voltava pra mesa pra anotar o que lembrava no caderno. A utilidade do gesto, não vislumbrada naquele então, é isto daqui.
Título do livro: Como dizer MA-RA-VI-LHO-SA em 8 línguas
Subtítulo: Guia de conversação de homens gays em viagens
Editora: Publifolha
Língua que eu li: Français
Frases imperdíveis:
Assunto 1: Mater les garçons (Azaração)
Mate-le bien! (Olha lá aquele cara!)
Ce genre de mec me fait débander*. (Ele não é o meu tipo)
Quel étalon! (Que bofe!)
El est bien baraqué. (Ele é super malhado.)
Il se prend por qui. (Ele é muito metido)
El est vachement bandant. (Ele é muito sexy.)
Une folle/une tante. (Uma bicha.)
Ta bouche en a vu pires. (Você já botou coisas piores na boca.)
Assunto 2: Au restaurant (No restaurante)
Je ne suis pas transparent ! (Não admito ser ignorado !)**
Les garçons pas sages sont privés de dessert. (Meninos mal-criados não merecem sobremesa)
*bander, literamente, significa “ter uma ereção”. Débander, o contrário.
**Assim como esta, a seção “No restaurante” estava lotada de frases que caracterizam faniquitos de reclamações sobre o atendimento, o cheiro, a demora.
Título do livro: Como dizer MA-RA-VI-LHO-SA em 8 línguas
Subtítulo: Guia de conversação de homens gays em viagens
Editora: Publifolha
Língua que eu li: Français
Frases imperdíveis:
Assunto 1: Mater les garçons (Azaração)
Mate-le bien! (Olha lá aquele cara!)
Ce genre de mec me fait débander*. (Ele não é o meu tipo)
Quel étalon! (Que bofe!)
El est bien baraqué. (Ele é super malhado.)
Il se prend por qui. (Ele é muito metido)
El est vachement bandant. (Ele é muito sexy.)
Une folle/une tante. (Uma bicha.)
Ta bouche en a vu pires. (Você já botou coisas piores na boca.)
Assunto 2: Au restaurant (No restaurante)
Je ne suis pas transparent ! (Não admito ser ignorado !)**
Les garçons pas sages sont privés de dessert. (Meninos mal-criados não merecem sobremesa)
*bander, literamente, significa “ter uma ereção”. Débander, o contrário.
**Assim como esta, a seção “No restaurante” estava lotada de frases que caracterizam faniquitos de reclamações sobre o atendimento, o cheiro, a demora.
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