dimanche, mars 23, 2008

Seeing things






É verdade que o bombardeio visual em Tóquio é absurdo. Algumas luzes piscam tanto que dá vontade de usar uma máscara de solda para proteger os olhos. Mas tem a tal coisa de ser analfabeto. Todos os estímulos visuais, por mais invasivos que sejam, são só imagens. Dá um descanso.
Explico: com o que eu sei de japonês, não dá pra ler nenhuma frase. E só logro alguma palavra quando paro na frente de uma placa e fico balbuciando. Por conseguinte, não entra nada com sentido abstrato no meu cérebro que não seja convidado a entrar.
Isso transforma a minha viagem, até agora, em cores e formas, principalmente. E esse lugar é bom pra acumular visões, puta que pariu.
Primeiro, a Annie Leibovitz. É ela – ela sozinha! - por trás daquele monte de fotos incríveis que a gente já conhece da Rolling Stone e da Vanity Fair. Eu não sabia, e adorei achar um ídolo tardio. A irmã dela fez um filme (Annie Leibovitz: Life Through a Lens) que dá conta do tamanho do trabalho da mulher.
E então o Lautrec passou por aqui. Veio com alguns poucos cartazes do Musée d’Orsay, mas lotado de peças de coleções privadas e outras do museu de Osaka. Nem trabalhar perto do Moulin Rouge me fez ver tanto Lautrec junto como nessa exposição. (E o tamanho original é bem diferente de uma xícara).
Depois, o Tokyo Metropolitan Museum of Photography mostrou quem era o Mario Giacomelli e que tipo de mágica se pode fazer abusando de massas pretas em fundo branco. Bonito de ver.
Além dos exemplos “enquadrados”, tem, claro, as cores ambulantes da rua, que seguem me puxando as antenas freneticamente. Sem falar que semana passada foi semana de Japan Fashion Week. Talvez eu fique muda pra sempre.

lundi, mars 10, 2008

Violências particulares

Uma das primeiras coisas que mudam quando muda o entorno é o tipo de violência que habita os nossos fantasmas. Bolsa virada para frente aqui é estilo, andar apressado é pressa mesmo. Em compensação, tem infanticídio, fratricídio, matricídio e, claro, muito suicídio.
Nas minhas primeiras semanas, dois casos de meninos que mataram a mãe estavam sendo investigados. Um deles cortou a barriga da sua e colocou um boneco de plástico dentro. Na semana passada, os funcionários de um hotel encontraram uma família toda morta num quarto, muito provavelmente por obra do pai suicida. A lista desses casos de encher página policial é bem recheada.
Por essas peculiaridades, ser estrangeiro é quase uma garantia anti-morte violenta aqui (um antônimo dos turistas fáceis de Copabana). Sendo uma alienígena saudosa de pai e mãe, me sobram os fantasmas das outras agressões. Os ladrões de calcinha, por exemplo. Não devo pendurar as minhas na sacada, me ensinaram. Correm o risco de, na calada da noite, virarem alvo de alguns poucos obcecados que farejam os varais alheios em busca desses poucos panos.
Um desses tipos, num caso noticiado Japão afora, foi encontrado com mais de mil calcinhas na sua casa. Questionado pela coleção, foi franco: “As tinha para satisfazer o meu desejo sexual”.