jeudi, avril 14, 2016

a história da amizade

Tive uma primeira melhor amiga que me deu a dádiva da companhia sem brigas. Acho que dei algo parecido a ela também, filha única aos seis anos. O bebê veio depois. Tive uma primeira amiga má, Úrsula, não exatamente uma amiga, mas uma colega, e nessa fase os pais mandam tratar todo mundo igual. Um dia convocou que não falassem comigo pois eu havia puxado seu cabelo, mas era só para chamar você que estava na classe da frente, sua tonta, com certeza não foi tão forte assim. No sul chamamos carteira de classe. Tivemos outro episódio envolvendo cabelos quando apareci com um corte Joãozinho e ela quase me engoliu com o seu nojo na fila que fazíamos no pátio antes de entrar.
— O que você fez com o seu cabelo?
— Cortei.
— E você gostou
Não respondi. Obrigada, Úrsula, por esse seu nome e por me contar também que seu irmão secava o pintinho com papel higiênico depois de fazer xixi. Isso não ressuscitou a muda morta da minha autoconfiança, mas colocou os critérios da sua família sob suspeita como um todo.
Depois tive que mudar de colégio e caí numa turma que se conhecia desde os dois meses de idade. Ficou claro meio rápido que conseguiria transitar entre o mundo das capitanias hereditárias e o das forasteiras como eu. A diferença com essas últimas é que eu sabia que trabalhava contra o relógio e, por inaptidão ou lerdeza, elas não. Seu tempo de aceitação expirou e passaram a sofrer bullying. 
Já eu flertei com os dois mundos, me consolidei no primeiro e achei que não precisaria nunca mais olhar para trás quando um dia senti vir mais uma avançada normativa daquela gangue feliz de meninas de 12 anos. Elas nunca tinham sido excluídas de nada, as mães eram praticamente colegas de barriga. Eu sabia que aquela onda viria e achei que estivesse pronta, surfando no que era legal e acima do que não era, mas não estava pronta para a raiva que senti. De repente lembrei do difícil que havia sido ser aceita, do constante estado de pânico. Ainda rezava para que no carro meu pai não abrisse a boca com seu sotaque. Talvez a tranquilidade nunca viesse. Caro estava custando.
E então briguei com todas elas. Todas ao mesmo tempo, não faltou nenhuma tirando as duas excluídas que nunca tinham entrado no grupo para começar. Nem lembro da briga em si, ou se de fato houve alguma, mas sei que por algumas semanas que não foram poucas não nos falamos e foi escolha minha. Eu botava a mochila no ombro direito, o que depois me deu escoliose, e começava a me acostumar com o fato de que a vida seria assim, andando duro e falando com poucas pessoas, alguma parte de mim gostava daquilo.
Por que odiei com tanta força esses rascunhos de mulheres, não sei. Ela dividiriam aulas de teatro comigo, descobriram a Tropicália e se apaixonariam por hippies parecidos com as fotos dos seus pais e eu por roqueiros parecidos o menos possível com qualquer pessoa. Sei que houve uma tentativa de conversa da parte delas e que fui fria e arrogante, me fizeram saber depois. Nessa época já dominávamos o vocabulário sentimental perfeitamente, e fiquei irredutível por mais um tempo, mesmo que uma delas tenha chorado nesse dia. As mães demoraram para se inteirar do problema, eu com certeza não contei para a minha.
Depois, numa data muito clara mas em que nada de concreto foi dito, não que eu lembre, voltamos a nos falar. Não me reinseri no grupo como a líder nem nada, apenas segui o caminho que havia interrompido, o de ser mais uma da gangue. Tinha um início novo, fresco, e aquilo me parecia importante e me enchia de orgulho enquanto eu ia às aulas de inglês avançado, muito mais avançado que o delas, e lá todos os colegas e o professor eram meninos. Em retrospectiva poucas coisas que fiz na vida me pareceram tão corajosas e kamikazes.
Com o tempo essa confiança também se dissipou.
Depois do colégio veio a nova melhor amiga, as crises de ciúmes, os assaltos descarados e incentivados por mim à minha vida, que incluíam amigos, guarda-roupa, família, ex-quase-namorado. E vieram as amigas da faculdade, que tinham um credo mais positivo e menos passional da amizade, somos unidas até hoje. 
Tenho um último tipo, o das amigas cujos mamilos desconheço. Nunca vi. Vieram do trabalho e conseguiram me cativar no ambiente obsceno de genitálias masculinas expostas com rancor, caixas de remédios psiquiátricos e brigas feias de família a invadir dia após dia os meus almoços. Querer me abrir com alguém nesse contexto soou como amor.
E então perdi uma. Ou ela me perdeu, a margem de erro foi de poucos minutos. 
E mantive uma, e ganhei outra. 
Com a melhor amiga que veio para a mesma cidade e as outras diziam ainda para me perseguir mas na verdade para casar e me relegar um segundo lugar amargo e urgente nas brechas do trabalho do noivo, mais as da faculdade à distância, a vida estava bem cheia. 
Cada vez mais cheia. De lamentos. De lamúrias. De psicodrama sem profissional, encenando entre nós as brigas que queríamos ter com outras pessoas e nos entediando em círculos até que uma dissesse então faz alguma coisa e dava vontade de responder olha quem falando, e mais fácil era voltar a falar da chefe, do marido, daquela que nem é tão amiga assim, parece personagem secundária. 
Nesta última fase tentei salvar uma amiga da depressão, a que ficou. Vi poesia no ato profundamente ilegal que implodiu sua carreira. Implorei que mergulhasse em si mesma, escrevesse um livro e amasse sua história para fazer dela outra mais feliz. Fracassei. 
Tentei ser amiga do meu ex e pedi respostas que nunca tive, nem antes, chorei com ele a morte das amizades. As dele, porque as minhas continuaram telefonando, deixando recado, me roubando do computador do trabalho para um café logo antes do almoço, outro logo antes de ir embora. 
Tenho outra amiga que não é nem da faculdade nem da fase nova, é antiga, vizinha e separada ao mesmo tempo, não me cobra e tem obrigações familiares, então nos vemos quando dá e somos felizes assim. As da faculdade viraram bissextas e já não tenho o ciúme pequeno de quando outras amigas, que têm lá mesmo no cotidiano da nossa cidade natal, aparecem nas suas histórias. Nunca fingimos um ano ruim nos nossos encontros. A mãe de uma delas morreu recentemente.
Agora só faltou dizer, no meio de tanta dúvida sobre o futuro e o lugar a dar a essas mulheres, que tenho uma irmã bem pouco mais velha que eu, a quem num mundo ideal poderia correr ao final de cada quinta-feira e servir um bolo feito com chocolate e naturalidade, como se ainda comêssemos o que sai da nossa primeira cozinha, a familiar. Mas não somos, assim, amigas.

samedi, février 20, 2016

indolência doméstica

Há pouco eu esperava a água ferver para fazer um café e comecei a negociar com a casa sobre as tarefas pendentes. Sendo sábado, a composteira aguarda uma revirada. Outras sujeiras continuam me olhando. Muito rápido ficou claro que depois do café minha única concessão seria dobrar as roupas dos dois varais que ocupavam a sala desde terça-feira. Impossível lidar com sujeiras molhadas. Não estou deprimida, apenas tinha acabado de assistir a Último Tango em Paris quando desci para fazer o café, estava no torpor.
Lembrei de uma entrevistada que ficou quatro meses sem lavar a louça. Ela era professora de uma escola pública até a semana passada, até entrar em licença por depressão. De repente me ocorreu que essa entrevistada nunca teve uma empregada doméstica. Nem uma diarista (ela tinha me contado muitas partes da sua vida). E que todos os meus amigos, já.
Acho a loucura de Último Tango relacionada a consequências — a vida interna que, no fim, é impedida de invadir a vida externa nesse início oficial que são os 20 anos. As louças abandonadas às dezenas são prova muito forte de algo, se não uma dor um grande torpor. Me ocorre que um dia todos à minha volta foram incapazes de levantar alguma, deixando sua xícara com café velho grudado no fundo. Mais cedo ou mais tarde alguém veio e lavou.
Menos pra minha entrevistada. Ela foi expulsa de casa pelo proprietário.

jeudi, février 05, 2009

How to cry a river over vietnamese coffee

As vísceras retiradas com uma grande colher de sorvete. Assim aconteceu. O segundo pacote não era café, era chá. O café perfumado de baunilha acabou. Sabe-se lá se ontem, anteontem, a que horas. Te esforça agora pra lembrar da última xícara. Será que deixei queimar?
Acabou, não tem mais, do mesmo jeito que acaba o dinheiro no banco se tu vai fazendo saques pequenos e desviando o olhar do saldo final. Não pode reagir assim. Mas. Mas. Era o café do Vietnã. Que compramos no mercado sem saber se ia ficar igual ao que tomávamos sentados olhando pra janela e ficou, não igual mas suficientemente delicioso.
Eu sei que é café - manda importar, idiota. Mas não é. Virou um tesourinho de viagem. Que eu sonhava provar no pequeno apartamento. Que ainda está a caminho. Era um pacote especial que se perdeu na despensa desta casa grande como eu sabia que ia se perder, confundido entre pacotes repetidos abertos e deixados pela metade. As coisas que a gente faz sabendo.
É a primeira coisa da volta ao mundo que acaba e não vai ter mais. Eu não queria necessariamente o veludo preto que tomei e me encheu de alegria. Aquilo ficou lá. Mas perder minhas jóias de viagem é um processo que só pode terminar na... eu... devo... dizer... mesmo-que-não-queira-pensar-nisso-agora... necessidade de buscar novas. Entende? Entende a tristeza?
Foi só uma coisa. Calma. Não precisa chorar assim. Sabe-se lá quanto tempo leva pra morrer o segundo condenado. Eu não gosto quando acontece isso, de se dar conta que começou: tu pode torcer pra não ir praquela zona cheia de nós e ter fé no volante que construiu, mas não, não pode pedir pra parar, filha.

jeudi, novembre 27, 2008

Truques


para fingir que o que eu cozinho não é extremamente insoso.

mercredi, novembre 26, 2008

Com emoção ou sem emoção?

Eis algo inquietante de se ler quando se tem passagem comprada para Bangkok: o aeroporto está fechado por tempo indeterminado porque o povo quer o premiê fora e ele não quer sair. A tensão sobe. O povo não voltou pra casa depos da visita ao parlamento e foi bater na porta dos ministros, cujos escritórios ficam no tal aeroporto. Diz o correspondente do Libération diz que a coisa parece ruim e não se descarta um golpe de estado, mas - e esta é a parte emocionante - dificilmente algo de muito radical aconteceria antes do aniversário do rei, que cai no dia CINCO DE DEZEMBRO, uma mísera semaninha antes de eu chegar. Existe um ex-premier corrupto no história, que quer voltar e precisa de uma ajuda consititucional. O povo quer os dois fora. Eu prometo ajudar a empurrar, mas tem que me deixar entrar primeiro, povo.

dimanche, novembre 23, 2008

Recessão, aham

Ser sudaca, não trabalhar com computação e estar totalmente fora do sistema salarial japonês - que garante bônus semestrais de 1 milhão de ienes ou arredores - me faz pensar duas vezes antes de ir numa exposição que custa R$ 41 .
Me toma um certo tempo para microcontas, almoços versus esmaltes, até concluir que vale a pena sim, levar mais esse perfuração estomacal para ver os quadros do Vermeer.
E lá vinha eu no meu país em vias de desenvolvimento, saindo do trem e conferindo quanto o cartão descontou ao passar pela catraca, dando passo-passinho pelo parque de Ueno, pra cair numa cena destas.














Trocentas pessoas alegremente alinhadas a 100 metros da entrada, esperando a vez para

entrar na fila de verdade, com trocentas pessoas mais.

Eu não sei se é o tanto que este povo é rico ou o tanto que as filas são constantes e quilométricas, mas quem tava lá ouviu "vai se fuder!" três vezes e convicto.

vendredi, août 22, 2008

But that could happen in any other city

Bell: Oh, yes. But I find that things and people are altogether kinder here than elsewhere.
(Lindo e amado Michel) Gondry: That's true. In New York, everyone walks like this (gets up to demonstrate), you know with their shoulders high and with big strides, like they're . . . "
Bell: Swaggering (dicionário instantâneo: caminhar ou andar com ar arrogante)
Gondry: Yes. Very few people swagger here. They're driven by ambition, but they don't have to broadcast that all the time.
Bell: But people have to work incredibly long hours and can't take much time off.
Gondry: Still, they seem more with the world, they don't feel the need to be loud and self-assertive. Personally, I like people who are reluctant to sell themselves.
Bell: Yes, because then they have to be themselves, they're not putting something on.

Preste atenção nos teus ídolos. Eles sempre acabam explicando melhor o que você pensa, de uma maneira mais sutil.

jeudi, août 21, 2008

Húngara, ex-bigode e quem me deu esse umbigo feio

As coisas que se atropelam no cotidiano na frente dos posts deste blog são, em grande parte, imprevisíveis. Como agora sei por antecipação, aviso: este site está fechado mais ou menos até outubro. Motivo: temporada de visitas. See U.

Sarabá


Celebrando o final do verão, apresento a propaganda de bronzeador que nos acompanhou durante esses longos dois meses.

mercredi, août 13, 2008

Curtas

1, 2, 28
A coreana tem só um ano a mais do que eu, mas uma pressa bem maior para casar. Também, pudera, já saiu correndo atrás da máquina. Nasceu, tchum: ganhou um ano. Virou o calendário, pá: ganhou outro ano. Agora tá aí, atrasada que só. Imaginei a cena e não gostei: enquanto eu tava com os meus 20 dias de vida, na Coréia já achavam que eu tinha dois anos. Saravá!

Jornal de "Esportes"
Existe mesmo um diário que é esporte na capa e pura mulher pelada dentro. Ideal para ler no trem, quando tem espaço à frente. O cara vai virando as pagininhas, fingindo que está acompanhando o beisebol e nada, tá vendo um monte de peitinho em papel jornal.

Temporada de calafrios
Esta é a terra das temporadas. De que maneira a vida cíclica influencia na felicidade geral dos povos não vem ao caso no momento. O fato é que no auge deste verão esclerosante, começou uma época bizarra. É tempo de contar histórias de terror. Fantasmas, suicidas que voltam, monstros. A explicação que me deram é que o calafrio refresca. (Sim, pode ser arriação).

Toy Story
Tem um caubói no meu bairro. Ele passeia pela rua coberta como se estivesse entrando no salloon, o chapéu naquela inclinação perfeita. A capa, que não sei se era couro ou lona, ele tirou nas últimas semanas. Tão ferrenha é a sua persona que, adivinhem, ele anda com os pés pra fora.

Minibar
Lugar apinhado de gente não é garantia de nada, ao contrário da regra brasileira. Aqui, alguns bares vão muito-bem-obrigado com, digamos, três clientes. Chega lá, pede uma cerveja, conversa com o dono, puxa papo com o vizinho e tá feita a sessão boteco. Tá certo que é um tipo especial de bar: depois do balcão tem mais ou menos um metro de fundo e, pros lados, se esticar o braço já tá no banheiro.

mardi, juillet 22, 2008

kiru biru

Havia planejado entrar enfurecida com a minha faca de maculelê para matar uma japa mandona - entre outras 35 pessoas -, mas faltou a cabeleira loira que iam me emprestar. Acabei sentando e pedindo um prato.

jeudi, juillet 17, 2008

Se o David Lynch viesse descrever o meu almoço

Começaria do jeito que começou, comigo dizendo que hoje é dia de comer enguia pra amenizar o calor. O lugar já está definido por antecipação, e de lá só se sabe que é sujo, pequeno e perto.
Fechamos o teclado, batemos o cartão. Duas colegas desertam no corredor, outra é abatida na porta do restaurante. Nesse lugar eu não entro. Diz ela, não eu. Eu entro.
E dou de cara com sete potes de inseticida apoiados na escada estreita à direita. Por ali não se sobe e aqui fede. Mas fede a enguia, então ok. No cardápio, só uma opção, inútil repetir o nome. Os mata-insetos já são passado porque a feiúra dos proprietários grita mais alto. Só podem ser irmãos - pelo feio, não tanto pelo parecidos. Três do mesmo, por favor.
Esperamos e, enquanto isso, recebemos o chá de praxe, mas não o de sempre. Um mais amargo, servido por dedos sem unhas - com pedaços de madeira podre no lugar delas.
O homem que bebia a última cerveja do estoque vai embora. Logo a porta abre e uma jovem gorda, alta e de um loiro quase cinza entra pisando separado no minúsculo serve-pratos. Fala com o dono coisas que eu não entendo e vira pra nós. Hoje é dia de gringo, penso. Teremos mais uma à mesa. Mas ela não quer comer, ela quer vender. Matrioshkas e canetas do pinóquio. Vai se apresentando num japonês pausado, com um sorriso constante de dentes pequenos, combinando com os olhinhos. Passamos por todos os itens da caixa de papelão, mas não queremos nada disso, sua ucraniana sem critério. E obviamente não acreditamos que o teu pai talhou todas as bonecas.
Chegam três caixas da cozinha, a quase russa já saiu pela porta e as nossas enguias aparecem debaixo das tampas. Não é problema ouvir como elas são alimentadas, mas talvez seja ouvir isso enquanto se come um ovo de codorna quente.
Elas vão se infiltrando dentro da pasta de comida que jogam no aquário, a propósito.
O tempo acabou. Os dedos com pedaços de madeira estão no caixa puxando nossas notas. A nova cliente de peruca ri pra mim e me aponta pro marido. É um riso de simpatia, acho que ninguém vai realmente debochar da minha cara aqui.
Close no suor que brilha na peruca dela, sobe a trilha sonora e entra o resto da tarde quente, com um mochi desembalado no elevador.

mardi, juin 17, 2008

bom moço que só


"I am very sorry that I caused a great deal of trouble to the Iranian government, the Japanese government and all others".
Satoshi Nakamura, a 23-year-old student.
E isso é o que o guri lembra de fazer logo depois de passar oito meses seqüestrado por fundamentalistas.

lundi, mai 05, 2008

Por favor não fure o olho.





















Ou R$ 133,00 por um melão.

gatos aquecem