Há pouco eu esperava a água ferver para fazer um café e comecei a negociar com a casa sobre as tarefas pendentes. Sendo sábado, a composteira aguarda uma revirada. Outras sujeiras continuam me olhando. Muito rápido ficou claro que depois do café minha única concessão seria dobrar as roupas dos dois varais que ocupavam a sala desde terça-feira. Impossível lidar com sujeiras molhadas. Não estou deprimida, apenas tinha acabado de assistir a Último Tango em Paris quando desci para fazer o café, estava no torpor.
Lembrei de uma entrevistada que ficou quatro meses sem lavar a louça. Ela era professora de uma escola pública até a semana passada, até entrar em licença por depressão. De repente me ocorreu que essa entrevistada nunca teve uma empregada doméstica. Nem uma diarista (ela tinha me contado muitas partes da sua vida). E que todos os meus amigos, já.
Acho a loucura de Último Tango relacionada a consequências — a vida interna que, no fim, é impedida de invadir a vida externa nesse início oficial que são os 20 anos. As louças abandonadas às dezenas são prova muito forte de algo, se não uma dor um grande torpor. Me ocorre que um dia todos à minha volta foram incapazes de levantar alguma, deixando sua xícara com café velho grudado no fundo. Mais cedo ou mais tarde alguém veio e lavou.
Menos pra minha entrevistada. Ela foi expulsa de casa pelo proprietário.