vendredi, août 31, 2007
Lord's gonna get us back
Não se pode esperar nada mais autêntico de um caipira do que ofuscamento frente as luzes da cidade. Nessa mais nova prova de pureza, os Kings of Leon subiram no palco do Rock en Seine ainda mais urban wear do que no show do dia 26 junho, no Bataclan. Cabelo curto e cara (quase) limpa, Caleb Followill não tem mais nada a ver com aquele filho de pastor evangélico que começou uma banda com os irmãos e foi assaltado pela fama repentina. Nem uma sombra daquele bigode chicano. Só Nathan, o baterista, conserva as madeixas compridas. Perdeu, no entanto, toda a ingenuidade e toma Heineken de canudinho entre uma martelada e outra.
Dos outros dois, menos se pode pedir. Mais novos e menos carismáticos, são quase uns italianos de tão engomados. Ainda em pós-puberdade, usam uns dois números a menos de calça – slim pants, claro. O clã KOL acumulou tanto mel nesses últimos quatro anos de pura vida de rock que até o hold quando sobe no palco é alvo de gritos femininos. Vale dizer que ele não destoa do fenótipo Followill, sendo provavelmente mais um primo.
Essa decepção estética é, claro, só um detalhe que quase ajuda a gostar mais da banda, pela sua trajetória sincera. O básico, o motivo de encabeçarem a minha lista há algum tempo, é que eles são muito bons. Caleb continua cantando rasgado e uivando histórias de meninas fáceis demais e noites que terminam de manhã. Estava rouco no domingo 26, o do Rock en Seine, e pediu desculpas. Charme.
Sim, eles ficaram mais sombrios e deram uma guinada eletrônica no último disco. Há músicas mais lentas e uma pitada de letras “estou ficando velho”. Que banda de rock não o faz? O negócio é que, incapazes de se desfazerem do country e do folk que os formou, estão longe de fazer melodias moles.
Assistir a um show do KOL é parte essencial da existência deles no mundo. Primeiro porque o que se ouve nos discos é o que eles tocam – e não mixagens e pós-produção –, e isso deixa a experiência ao vivo muito forte. Segundo porque, filhos da época que são, os Followill existem para nos fazer pular e acompanhar cada acorde e franzida de nariz de perto.
Vida longa aos Followill, que ainda vão receber muita adolescente contente em camarim, maltratar jovens esposas e criar mais caldo pra sofrimento acompanhado de bateria.
lundi, août 20, 2007
Menina a caminho (ou A hipótese de se envelhecer em números)
Cada vez que um pote de iogurte termina eu penso se escolhi a profissão certa. Se escolhi a vida certa. Eu tenho 23 anos e moro num país estrangeiro. Mas cheguei com malas minhas, sem pisar em terra virgem nem temer pelo futuro, porque eu simplesmente cheguei nesse meu estado de vida, que eu pretendo narrar aqui, que é mole como um cetim, que não mexe montanhas mesmo que mude uma vida inteira, que é invariavelmente leve.
De onde eu venho não há histórias cicatrizadas, mortos que eu tenha matado. E todas as pessoas que me formam pensam que eu deveria estar aqui, o que me traz a esta situação onde não há como fingir que o me ocorre é trágico, apesar de ser o que de mais grave me ocorre.
Eu não me mexo muito rapidamente, e quando o faço não é senão por deliberada proposta. Não há em mim, como os filmes mostram existir em outras pessoas, um tempo e uma urgência ligados à ação, chegada mesmo quando não é chamada, criando rotinas invisíveis e ciclos que aparecem depois de anos, em uma mesa onde se toma um chá com velhos conhecidos.
A vida a mim custa ser vivida, e não é porque ela me entristeça.
Ela apenas me custa.
Preciso muito das pessoas para me guiar nas quantidades de sono e desespero que são usuais no meu entorno. Eu procuro sempre, com isso, não destoar. Na maioria das vezes, consigo, apesar de ter de continuar me procurando em outros lugares, já que vivo uma vida de imitação.
Desde que cheguei neste país estrangeiro, estou esperando que a vida comece a sua marcha íngrime, porque eu ainda não me desfiz de crer que exista uma marcha. Eu, até agora, só conheci planos e começos. Nutro uma sincera curiosidade por meios e finais.
mercredi, août 15, 2007
lundi, août 13, 2007
Filha, seja exótica de trás pra frente, sempre
Começa assim. Um dia numa festa, não tantos meses depois da minha chegada, me perguntaram, não tão ineditamente, o que eu estava fazendo aqui. Não no sentido literal da pergunta, mas num esboço de elogio ao exótico país que eu tinha, assim inexplicavelmente, largado. Mais sagaz do que fiquei com outros meses de experiência, respondi: “Contraste, peut-être”.
A minha companhia achou a resposta brilhante – a saber não por uma reação, mas pelo tardio e específico comentário, ao qual não tive nada a responder. Ela riu, a moça que tinha feito a pergunta, e riram os outros cinco que estavam neste domínio sonoro e não no seguinte. E eu ganhei tempo para entornar mais um pouco do meu copo de champanhe, o que se pode fazer com elegância quando se é uma menina e se sabe olhar enviesado em simultâneo.
No dia seguinte ela ia para São Paulo, a menina que tinha feito a pergunta (j’adoooore, uuhh. Uhúu!). Não é a mulher exatamente que fica ridícula ao se empolgar, mas a assimetria com que duas pessoas se projetam a um lugar fisicamente comum que cria a sensação de que uma entre ambas está deslocada.
Mas concordei. Gosto muito de São Paulo, falei. Mesmo que não, não costume sair da minha cidade para encontrar lá a chama da vida e a felicidade do acaso interpessoal. Não falei. Seguiu-se a festa. Como a maioria dos convivas não detinha, como eu, a insígnia de pertencer a um lugar tão longínquo quanto atraente, as conversas flutuavam em torno de allers-retours recentes. Ela morava em Berlim, a pessoa mais interessante da festa. Mas não era de lá, evidentemente. Era daqui. Vivia de cinema, com os seus cabelos totalmente descoloridos, e estava contente com o último trabalho. Foi a única pessoa que lamentei nunca mais ver, quando no dia seguinte decidi que champanhes atrás de digicodes não valiam uma péssima foda.
Era a cama da dona da casa onde estávamos – sentados e travestidos. Da pilha de livros de bolso encostada na parede saíram alguns diálogos básicos. Eram clássicos filosóficos, pois a dona era doutoranda em filosofia, mesmo que maquilada. Eram a massa, essas trocas de frase, mesmo que a massa se vista de polêmica. O correspondente a preços de carro e histórias de chefe. O teste-testando para ver se falávamos a mesma língua. Mas o mais interessante, sempre, eram as histórias da descolorida. Mesmo que ela explicasse nada além do que a incompletude pré-maternidade ou a beleza de se estar em Paris há poucos dias depois de uma longa ausência. Eu havia chegado à minha São Paulo e estava adorando a fumaça.
(segue)
A minha companhia achou a resposta brilhante – a saber não por uma reação, mas pelo tardio e específico comentário, ao qual não tive nada a responder. Ela riu, a moça que tinha feito a pergunta, e riram os outros cinco que estavam neste domínio sonoro e não no seguinte. E eu ganhei tempo para entornar mais um pouco do meu copo de champanhe, o que se pode fazer com elegância quando se é uma menina e se sabe olhar enviesado em simultâneo.
No dia seguinte ela ia para São Paulo, a menina que tinha feito a pergunta (j’adoooore, uuhh. Uhúu!). Não é a mulher exatamente que fica ridícula ao se empolgar, mas a assimetria com que duas pessoas se projetam a um lugar fisicamente comum que cria a sensação de que uma entre ambas está deslocada.
Mas concordei. Gosto muito de São Paulo, falei. Mesmo que não, não costume sair da minha cidade para encontrar lá a chama da vida e a felicidade do acaso interpessoal. Não falei. Seguiu-se a festa. Como a maioria dos convivas não detinha, como eu, a insígnia de pertencer a um lugar tão longínquo quanto atraente, as conversas flutuavam em torno de allers-retours recentes. Ela morava em Berlim, a pessoa mais interessante da festa. Mas não era de lá, evidentemente. Era daqui. Vivia de cinema, com os seus cabelos totalmente descoloridos, e estava contente com o último trabalho. Foi a única pessoa que lamentei nunca mais ver, quando no dia seguinte decidi que champanhes atrás de digicodes não valiam uma péssima foda.
Era a cama da dona da casa onde estávamos – sentados e travestidos. Da pilha de livros de bolso encostada na parede saíram alguns diálogos básicos. Eram clássicos filosóficos, pois a dona era doutoranda em filosofia, mesmo que maquilada. Eram a massa, essas trocas de frase, mesmo que a massa se vista de polêmica. O correspondente a preços de carro e histórias de chefe. O teste-testando para ver se falávamos a mesma língua. Mas o mais interessante, sempre, eram as histórias da descolorida. Mesmo que ela explicasse nada além do que a incompletude pré-maternidade ou a beleza de se estar em Paris há poucos dias depois de uma longa ausência. Eu havia chegado à minha São Paulo e estava adorando a fumaça.
(segue)
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