Já é sabido e bem comentado que os franceses consomem mais livros por mês do que nós brasileiros. A Gibert Joseph é uma livraria em rede que concentra boa parte do que se pode comprar em Paris no quesito papel. O fato é que toda vez que entrava lá com um título em mente, acabava sentindo um certo incômodo ao ver aquele mar de pocket books espalhados por mesas largas. É uma imensidão de livros pequenos com capas supercoloridas estampando fotos de pessoas e cachorros, traduções do espanhol, traduções do inglês, autores que surgiram há um ano, novidades da rentrée litteraire.
É engraçado, mas meu incômodo vinha da constatação que o mercado literário lá se apresenta ao consumidor um pouco como o mercado de filmes em DVD se apresenta no Brasil. Pessoas compram livros cujo destino é o consumo. Seguem, para isso, o desejo instigado por resenhas, entrevistas, orelhas de livros, indicações de amigos. Pagam relativamente pouco, levam produtos leves e pequenos e, chegando em casa, lêem.
Em algum canto do cérebro isso deve ter me parecido uma calúnia ao santificado todo-poderoso louvável hábito de leitura como ele me foi inculcado em terras brasileiras. Foram anos de anos de “leia mais, o que quer que seja, por favor leia mais e sinta-se um cidadão honorável abrindo um livro em praça pública, nunca comente o que leu, simplesmente diga que lê, que adora ler, que deixa de ver tevê pra ler” que, de alguma forma, tiveram efeito.
A ficha desse pensamento me caiu no mês passado quando, de volta a Porto Alegre, fui à belíssima livraria Cultura. O apelo foi forte, mas bem diferente das montanhas baratas da Gibert Joseph. Os atendentes simpáticos me ajudavam com um sorriso de almas gêmeas, a Cultura naquela arquitetura linda me dava vontade de passar de um setor a outro rodopiando a saia e os livros, eles me pareciam mais elegantes que as roupas nas vitrines do Bourbon Country.
O que eu vou dizer não é novo. Todo mundo sabe que pagar mais de 50 reais por uma edição bonita do Grande Sertão Veredas tem a ver com a estante. Mas ali, olhando os livros que faziam parte da minha lista ainda em aberto, vi como é gritante a diferença entre orelhas feitas por leitores e as feitas por críticos literários. Tentei levar algo da Hilda Hist mas, entre o primeiro livro da prosa pornográfica dela e o início do romance bifurcado – estou inventando os jargões porque não chego a lembrar deles -, não consegui escolher nenhum. Só porque amo o João Gilberto Noll, não recuei diante do “romance de deformação” em oposição ao Bildungsroman que vem a ser O Quieto Animal da Esquina.
Abri mais e mais livros, cada um com a capa mais linda e mais abstrata que o outro, sendo apresentados dentro do panorama literário brasileiro, em contraste ao novo romance velho, fazendo parte de uma trilogia intercalada, prometendo mudar tudo, nossa, que promessa. Nada, enfim, falava do que há pra ler depois da capa. Só o que eu via era que, se quisesse comentar algum deles, teria que rezar pra ser convidada a jantar na casa de algum professor da pós-graduação da UFRGS.
O comprador de livros da Cultura tem que ser, resumindo, um esnobe humilde. Tem que aceitar levar pra casa o que as sumidades indicam mas não explicam e balançar, o mais charmoso que conseguir, a sua sacola até o estacionamento.
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