Começa assim. Um dia numa festa, não tantos meses depois da minha chegada, me perguntaram, não tão ineditamente, o que eu estava fazendo aqui. Não no sentido literal da pergunta, mas num esboço de elogio ao exótico país que eu tinha, assim inexplicavelmente, largado. Mais sagaz do que fiquei com outros meses de experiência, respondi: “Contraste, peut-être”.
A minha companhia achou a resposta brilhante – a saber não por uma reação, mas pelo tardio e específico comentário, ao qual não tive nada a responder. Ela riu, a moça que tinha feito a pergunta, e riram os outros cinco que estavam neste domínio sonoro e não no seguinte. E eu ganhei tempo para entornar mais um pouco do meu copo de champanhe, o que se pode fazer com elegância quando se é uma menina e se sabe olhar enviesado em simultâneo.
No dia seguinte ela ia para São Paulo, a menina que tinha feito a pergunta (j’adoooore, uuhh. Uhúu!). Não é a mulher exatamente que fica ridícula ao se empolgar, mas a assimetria com que duas pessoas se projetam a um lugar fisicamente comum que cria a sensação de que uma entre ambas está deslocada.
Mas concordei. Gosto muito de São Paulo, falei. Mesmo que não, não costume sair da minha cidade para encontrar lá a chama da vida e a felicidade do acaso interpessoal. Não falei. Seguiu-se a festa. Como a maioria dos convivas não detinha, como eu, a insígnia de pertencer a um lugar tão longínquo quanto atraente, as conversas flutuavam em torno de allers-retours recentes. Ela morava em Berlim, a pessoa mais interessante da festa. Mas não era de lá, evidentemente. Era daqui. Vivia de cinema, com os seus cabelos totalmente descoloridos, e estava contente com o último trabalho. Foi a única pessoa que lamentei nunca mais ver, quando no dia seguinte decidi que champanhes atrás de digicodes não valiam uma péssima foda.
Era a cama da dona da casa onde estávamos – sentados e travestidos. Da pilha de livros de bolso encostada na parede saíram alguns diálogos básicos. Eram clássicos filosóficos, pois a dona era doutoranda em filosofia, mesmo que maquilada. Eram a massa, essas trocas de frase, mesmo que a massa se vista de polêmica. O correspondente a preços de carro e histórias de chefe. O teste-testando para ver se falávamos a mesma língua. Mas o mais interessante, sempre, eram as histórias da descolorida. Mesmo que ela explicasse nada além do que a incompletude pré-maternidade ou a beleza de se estar em Paris há poucos dias depois de uma longa ausência. Eu havia chegado à minha São Paulo e estava adorando a fumaça.
(segue)
1 commentaire:
aiê. saudades.
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