Dedicado ao Binho, que andou por aquelas salas
Foi num lugar plantado no meio da Wensceslau Escobar que eu tive as primeiras amostras de como seria a vida adulta fora do mundo dos meus pais e tios. O Quatrum – estava eu pensando estes dias – construiu muitas coisas legais na minha personalidade, por causa das pessoas e não do inglês que eles ensinavam, claro.
Primeiro, foi o André, um dos caras mais altos e magros que eu já devo ter visto. Eu tinha uns 10 anos quando comecei a ter aula com ele, ao lado de uns guris mais velhos que me intimidaram na primeira aula. Com o André tudo era divertido. Mesmo sem lembrar sobre o que a gente conversava (memória de mosca), sei que dávamos muitas gargalhadas e falávamos alto sempre.
Numa páscoa, quando a turma se resumia ao meu colega Jerônimo e a mim, montamos uma equipe que se chamava E.E.E.E., sigla pra Extraordinary Easter Egg Eaters, com logo e afins. Eu e o Jerônimo tínhamos ficados deslocados de todas as turmas porque as nossas mães nunca tinham nos tirado das aulas, o que nos deu um nível muito alto pra ficar com os kids numa idade em que ainda não podíamos ter aula com os teenagers.
Cada vez que a Carmen (a diretora) inventava um festival de música ou teatro pra todo o Quatrum participar, íamos eu, o Jerônimo e o André apresentar as ridiculices que tínhamos preparado na maior empolgação. Hoje me impressiono do pouco medo da pagação de vale que eu tinha. Já cantei Be my baby com um pandeiro na mão! (e só lembrei disso agora enquanto escrevo). O André, muito impagável que era, ficou no meio de nós vestido de bebê chorão, com os seus dois metros de pernas.
Mas eis que um dia ele partiu. Foi pra Londres. Disse que ia ir, mas não disse que era pra sempre. Explicou algo do tipo “vou e não sei ao certo quando volto”. E eu na minha ingenuidade disse “ok”, empolgada as usual. Depois disso, aula sim, aula não, eu parava na frente da mesa da Michele (a secretária) e perguntava “Quando é que o André volta?”, e ela respondia “Não sei ainda”. Essa esperança durou muuuuuuitos meses, até que não lembro se fui eu que me dei conta ou alguma das pessoas do Quatrum que me disse com todas as letras que ele nunca mais ia voltar.
Foi a primeira pessoa que eu perdi na vida, no sentido bom da palavra. Me lembro da sensação ambígua de sentir algo legal por ele ter viajado e algo ruim por nunca mais ter a chance de ser aluna dele. E naquela época eu não sabia dizer em palavras, mas já sabia que ele era gay.
Foi num lugar plantado no meio da Wensceslau Escobar que eu tive as primeiras amostras de como seria a vida adulta fora do mundo dos meus pais e tios. O Quatrum – estava eu pensando estes dias – construiu muitas coisas legais na minha personalidade, por causa das pessoas e não do inglês que eles ensinavam, claro.
Primeiro, foi o André, um dos caras mais altos e magros que eu já devo ter visto. Eu tinha uns 10 anos quando comecei a ter aula com ele, ao lado de uns guris mais velhos que me intimidaram na primeira aula. Com o André tudo era divertido. Mesmo sem lembrar sobre o que a gente conversava (memória de mosca), sei que dávamos muitas gargalhadas e falávamos alto sempre.
Numa páscoa, quando a turma se resumia ao meu colega Jerônimo e a mim, montamos uma equipe que se chamava E.E.E.E., sigla pra Extraordinary Easter Egg Eaters, com logo e afins. Eu e o Jerônimo tínhamos ficados deslocados de todas as turmas porque as nossas mães nunca tinham nos tirado das aulas, o que nos deu um nível muito alto pra ficar com os kids numa idade em que ainda não podíamos ter aula com os teenagers.
Cada vez que a Carmen (a diretora) inventava um festival de música ou teatro pra todo o Quatrum participar, íamos eu, o Jerônimo e o André apresentar as ridiculices que tínhamos preparado na maior empolgação. Hoje me impressiono do pouco medo da pagação de vale que eu tinha. Já cantei Be my baby com um pandeiro na mão! (e só lembrei disso agora enquanto escrevo). O André, muito impagável que era, ficou no meio de nós vestido de bebê chorão, com os seus dois metros de pernas.
Mas eis que um dia ele partiu. Foi pra Londres. Disse que ia ir, mas não disse que era pra sempre. Explicou algo do tipo “vou e não sei ao certo quando volto”. E eu na minha ingenuidade disse “ok”, empolgada as usual. Depois disso, aula sim, aula não, eu parava na frente da mesa da Michele (a secretária) e perguntava “Quando é que o André volta?”, e ela respondia “Não sei ainda”. Essa esperança durou muuuuuuitos meses, até que não lembro se fui eu que me dei conta ou alguma das pessoas do Quatrum que me disse com todas as letras que ele nunca mais ia voltar.
Foi a primeira pessoa que eu perdi na vida, no sentido bom da palavra. Me lembro da sensação ambígua de sentir algo legal por ele ter viajado e algo ruim por nunca mais ter a chance de ser aluna dele. E naquela época eu não sabia dizer em palavras, mas já sabia que ele era gay.
Eu não estava entendendo que estava acumulando as primeiras imagens de vida jovem na minha cabeça. O André nos ensinou a letra de I’ll do my crying in the rain*, do A-Ha, com as lacunas pra completar as palavras, do mesmo jeito que eu faço agora com as músicas dos Novos Baianos. E ele disse que ia voltar e não voltou. Meu pai nunca faria isso, por exemplo, seria muito pouco sério da parte dele decidir de um mês pro outro que vai morar num continente e não no outro.
E mesmo assim não foi uma decepção esse desquite do André. Sim, ele quebrou meu coração de levinho, porque eu adorava as aulas dele, mas foi um despeito que eu tomei com tolerância e, se o tempo não fosse linear, diria que a tolerância veio deste momento presente. Hoje ele deve beirar os 40. Eu, bem, vocês já sabem a idade que eu tenho.
*música que a Lisi gravou num CD pra mim e que é o provável estopim dessa avalanche gostosa de souvenirs.
**Um próximo post sairá dedicado à Debbie, a guria mais querida que aquela escola jamais vai ter (dúvidas sobre a tradução correta de will ever have).
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