Eu ia reclamar só da trilha sonora* do
Cabra Cega, filme do Toni Venturi que vi no festival de cinema brasileiro que rola até hoje. Terminada a projeção e o bate-papo com o diretor, digamos que a lista cresceu um pouquinho.
Matutei por um bom tempo sobre a atmosfera de produção de um filme de baixo orçamento, relativizei o que seriam critérios básicos de qualidade mas não achei desculpas. Ao invés de ligar pra uma escola de línguas, passar um e-mail pra alguém que falasse espanhol, colar as falas no messenger ou qualquer outra coisa fazível em meia-hora pra revisar no máximo uma lauda de roteiro, o moço prefere nos brindar com uma personagem que emigrou da Espanha depois da ditadura franquista mas que, se estiver com sede num bar de esquina em São Paulo, vai pedir pro garçom trazer uma
cueca-cuela.
Pegou muito mal, e não é questão de deslocamento cultural. Ele inventou mesmo palavras, fez a velha dizer
facia (verbo fazer),
teimosso, etc, era impressionante. Aí, na hora do bate-papo pós-filme, quando ele decidiu falar em francês, mesmo com a tradutora ao lado, o mar se abriu num clarão e eu entedi um pouco a lógica.
A visão do Toni Ventura sobre línguas estrangeiras é um tanto desconstrutivista e desafiadora. A platéia precisava saber português
E francês pra captar o código que ele estava usando lá na frente.
No início virava
dans le comence,
meu virava
motre (mon + votre?),
um pouco virava
um pé. Meu saldo: conteúdo > zero, frases com início falado e final gesticulado > 25%, neologismos > 40%, utilidade da mocinha parada ao lado com microfone na mão > 5%, vergonha e divertimento que eu senti por ele > 50%.
Ainda bem que o filme era quase todo em cima do protagonista, interpretado pelo Leonardo Medeiros, que eu não conhecia e simpatizei bastante.
*Excluindo um par de músicas da época da ditadura que não tinham como dar errado, a Fernanda Porto, responsável pela música, empurrou a marteladas seqüências de piano pra dar clima sentimental em várias cenas, o que ficou péssimo.